Research Article |
Corresponding author: Carlos Ernesto Gonçalves Reynaud Schaefer ( carlos.schaefer@ufv.br ) Academic editor: Ana Maria Leal-Zanchet
© 2020 Carlos Ernesto Gonçalves Reynaud Schaefer, Prímula Viana Campos, Hugo Galvão Candido, Guilherme Resende Corrêa, Raiza Moniz Faria, José Frutuoso do Vale Jr.
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Citation:
Schaefer CEGR, Campos PV, Candido HG, Corrêa GR, Faria RM, Vale Jr JF (2020) Serras e pantanais arenosos: solos e geoambientes em unidade de conservação da Amazônia, Brasil. Neotropical Biology and Conservation 15(1): 43-69. https://doi.org/10.3897/neotropical.15.e49221
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Unidades de conservação representam a principal estratégia para a preservação e recuperação de recursos naturais brasileiros. Para nortear o seu planejamento e gestão, informações relativas aos geoambientes constituem um referencial integrado indispensável. O objetivo deste estudo foi descrever os aspectos pedológicos associados à identificação, caracterização e mapeamento de geoambientes do Parque Nacional Serra da Mocidade, Roraima, norte do Brasil, de forma a subsidiar o manejo ecológico da unidade. Para a estratificação geoambiental foram avaliados os aspectos pedológicos, geomorfológicos e vegetação. Foram descritos e coletados 19 perfis de solos. A caracterização da vegetação foi realizada in loco. Foram descritos quatro pedoambientes, com destaque para os seguintes solos: Espodossolo Humilúvico, Espodossolo Ferri-Humilúvico, Espodossolo Ferrilúvico, Neossolo Quartzarênico, Neossolo Regolítico, Neossolo Flúvico, Plintossolo Háplico, Plintossolo Argilúvico, Gleissolo Melânico e Cambissolo Háplico. Foram identificadas 12 unidades geoambientais. No Parque, destaca-se um contraste entre serras e morrarias da zona florestada e os grandes espaços inundáveis e baixios do pediplano Rio Branco-Rio Negro. Além disso, essa área de conservação possui o mais antigo e, provavelmente, o mais importante conjunto montanhoso granítico-gnáissico do norte amazônico, de grande extensão e topografia complexa. Este estudo evidencia a singularidade de cada geoambiente, subsidiando na definição mais precisa e adequada das formas de manejo do Parque.
Conservation units represent the main strategy for the preservation and recovery of Brazilian natural resources. In order to guide their planning and management, information on geoenvironments is a key integrated reference. The aim of this study was to describe the pedological aspects associated with the identification, characterization and mapping of geoenvironments of the Serra da Mocidade National Park, Roraima, northern Brazil, in order to subsidize the ecological management of the unit. For the geoenvironmental stratification, pedological, geomorphological and vegetation were assessed and, 19 soil profiles were described and collected. The characterization of the vegetation was carried out in loco. Four pedoenvironments were described, with emphasis on the following soils: Podzols, Arenosols, Regosols, Fluvisols, Plinthosols, Acrisols, Gleysols e Cambisols. Twelve geoenvironmental units were identified. In the Park, there is a contrast between mountain ranges and gentle rolling hills of the forested zone and the extensive, ill-drained floodplains of the Rio Branco-Rio Negro pediplain. In addition, the conservation unit contains the only ancient granite-gneiss hilly plateau of North Amazonia, of large extension and complex topography. This study shows the uniqueness of each geoenvironment, subsidizing a more precise and adequate management practices of this Park.
Parque Nacional Serra da Mocidade, relação solo-vegetação, pedoambiente
Serra da Mocidade National Park, soil-vegetation relationship, pedoenvironment
As regiões tropicais apresentam expressiva diversidade de paisagens e, consequentemente, caracterizam-se biologicamente mais diversas que outras zonas climáticas (
No país, as unidades de conservação (UCs) representam a principal estratégia oficial para a preservação e recuperação de vários atributos inerentes aos recursos naturais, como biodiversidade, qualidade ambiental, paisagem natural e funções ecológicas (
Além da exploração dos recursos naturais, as UCs enfrentam vários problemas, como a regularização fundiária, falta de infraestrutura e recursos humanos e financeiros, além da ausência de um plano de manejo para nortear as ações dos gestores (
O Parque Nacional (PARNA) Serra da Mocidade faz parte do grande mosaico de UCs do norte amazônico, sob gestão do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) no arco de terras elevadas que abrange os Parques Nacionais do Monte Roraima até o Pico da Neblina (
Neste contexto, visto que o PARNA Serra da Mocidade não possui informações relativas ao meio físico em escalas adequadas ao seu planejamento e monitoramento, este trabalho teve como objetivos contribuir com um estudo detalhado dos aspectos pedológicos e geomorfológicos de suas áreas mais representativas, bem como identificar, caracterizar e mapear as unidades geoambientais que compõem as paisagens do setor principal (leste) do Parque Nacional Serra da Mocidade, de forma a ampliar o conhecimento da região amazônica e gerar subsídios à elaboração do plano de manejo do Parque.
O trabalho foi realizado no setor leste do Parque Nacional (PARNA) Serra da Mocidade, unidade de conservação criada no ano de 1998 (
O PARNA Serra da Mocidade corresponde a parte do domínio tectonoestratigráfico da Guiana Central (
A unidade de conservação se destaca pela relevância hidrológica, com condição de área montanhosa, bem drenada, e área de imensa depressão inundável, do baixo rio Branco-rio Negro, recoberta por sedimentos arenosos (Formação Içá) (
As coberturas arenosas holocênicas com retrabalhamento eólico dominam a planície sedimentar denominada de Pantanal Setentrional (
Nas últimas décadas, o PARNA Serra da Mocidade tem experimentado um processo de recuperação natural dos seus ecossistemas, após exploração extensiva pretérita com danos ambientais moderados, principalmente pelas atividades extrativistas na região (
A estratificação das unidades geoambientais foi realizada a partir da análise integrada dos aspectos pedológicos, geomorfológicos e, suas respectivas fitofisionomias (
Com base nos padrões identificados nas imagens de satélites, a partir das características gerais da paisagem, como vegetação e relevo, foram pré-classificadas as principais unidades geoambientais. No campo, trincheiras foram abertas em número suficiente para representar toda a diversidade de solos em cada geoambiente. Foram coletados 19 perfis de solos em fitofisionomias variadas de Campinaranas (Florestada, Arborizada, Arbustiva, Gramíneo-Lenhosa, Gramíneo-Arbustiva e Graminosa), bem como florestas (Floresta de Terra Firme, Igapó, Várzea e Ombrófila) do PARNA Serra da Mocidade. Além disso, foram utilizados os dados de solos do entorno, com ênfase no PARNA do Viruá, detalhado por
A fim de caracterizar cada geoambiente para além das fitofisionomias, foram coletadas as espécies com maior representatividade em relação ao número de indivíduos na paisagem.
O material botânico fértil foi tratado segundo técnicas convencionais de herborização (
O PARNA Serra da Mocidade apresenta um contraste entre serras e morrarias da zona florestada e os grandes espaços inundáveis e baixios do pediplano rio Branco-rio Negro. As porções mais elevadas da paisagem exibem um mosaico ainda desconhecido de Latossolos e Cambissolos, associados às formações florestais, além de pontões e afloramentos rochosos antigos, exumados pela profunda atividade erosiva por toda a borda dos sistemas montanhosos. As porções mais baixas da paisagem exibem vasta superfície aplainada e rebaixada pela podzolização extrema, num clima super-úmido, retocada por processos eólicos intensos, subatuais, sob climas secos, com, principalmente, Espodossolos associados a Campinas e Campinaranas, bem como diversos geoambientes únicos em gradientes hidropedológicos.
No parque, o significativo controle edáfico sobre as diferentes paisagens possibilitou o agrupamento dos principais solos em quatro pedoambientes descritos a seguir:
Solos das regiões montanhosas das Serras da Mocidade e Pacu
Nas áreas montanhosas ou serranas do PARNA Serra da Mocidade predominam solos profundos nas partes dissecadas em mares de morro, sempre de fertilidade natural muito baixa: Argissolos Vermelho-Amarelos, Cambissolos Háplicos e Latossolos Amarelos. São solos distróficos, derivados de rochas Granítico-Gnáissicas, e apresentam alta susceptibilidade a erosão onde a topografia é íngreme.
Acima de 1.300 m, predominam Cambissolos Húmicos ou Hísticos e Neossolos Litólicos, sempre distróficos. Os Cambissolos da região montanhosa são particularmente muito erodidos, com a formação de megafeições de movimento de massa, como cicatrizes, por toda a borda da serra. Em alguns casos os processos erosivos estão bastante acentuados com voçorocas de grandes dimensões, que podem ser vistas em imagens aéreas e de satélite.
Os Neossolos Litólicos húmicos ocorrem nas escarpas e vales mais encaixados, em relevo escarpado ou montanhoso. Possuem horizontes húmicos em função das temperaturas mais baixas e aportes de biomassa vegetal que se decompõe muito lentamente nos climas mais amenos de montanha (> 1.300 m). Os perfis A, B e C do
Solos sob influência de rios de Águas Brancas, Negras ou Mistas
O rio Catrimâni, no extremo sudoeste do PARNA Serra da Mocidade, apresenta formação de várzeas de natureza aluvial, argilosas, bem mais extensas e desenvolvidas que o rio Capivara. A proveniência serrana dos aluviões revela uma clara origem pedogenética para os areais que ficam na retaguarda dos mesmos, em posições altimétricas mais baixas que as várzeas atuais. Portanto, os Espodossolos dos interflúvios se encontram como que selados e rebaixados entre as várzeas Holocênicas nos rios Capivara, Univini e Catrimâni, argilosas, que impedem o fluxo hídrico normal entre os pantanais arenosos e as drenagens principais.
O rio Água Boa do Univini possui aluviões argilosos em meio a igapós e barrancas arenosas onde o rio secciona o Pantanal arenoso, especialmente em sua margem esquerda, no Niquiá. As florestas de maior porte estão associadas a esses aluviões, sem vínculo com os espaços arenizados.
Nas várzeas holocênicas do rio Capivara (águas mistas), os sedimentos argilosos são tipicamente associados a Plintossolos Háplicos Distróficos (Suppl. material
Na Campinarana Florestada (Fig.
No caso das planícies aluviais do rio Catrimâni, os Plintossolos mostram grau de evolução pedogenética maior, com desenvolvimento de caráter argilúvico e, muitas vezes, petroplíntico (Suppl. material
Campinaranas sobre dunas e ambientes arenosos correlatos (Sequência Igarapé Preto)
Ocorreram duas ordens de solos nas Campinaranas do PARNA Serra da Mocidade: Neossolos (Quartzarênicos) e Espodossolos (Fig.
1. ESPODOSSOLO FERRI-HUMILÚVICO Órtico arênico
2. ESPODOSSOLO FERRI-HUMILÚVICO Hidromórfico organossólico
3. ESPODOSSOLO HUMILÚVICO Hidromórfico arênico
4. ESPODOSSOLO HUMILÚVICO Órtico espessarênico
5. NEOSSOLO QUARTZARÊNICO Órtico típico
6. ESPODOSSOLO FERRILÚVICO Órtico arênico
Campinaranas sobre dunas e ambientes arenosos correlatos abrangem diversos geobiótopos, cuja separação cartográfica não é possível na escala adotada. Há variações fitofisionômicas incluindo os Buritizais (comunidades dominadas pela palmeira Mauritia flexuosa L.f. (Buriti)) com Espodossolo Ferri-Humilúvico Hidromórfico organossólico, Bonnetiais (arbustais de Bonnetia sp.), Campos Arenosos Brejosos, Campinaranas Arbustivas, Campinaranas de Barcella odora (Trail) Drude, bem como Campinaranas Arborizadas, com formação de um gradiente de drenagem (Fig.
Nos geobiótopos do complexo de dunas e areais, predominam Espodossolos e as seguintes fitofisionomias: Campinaranas Graminosas, Campinaranas Gramíneo-Lenhosas de Bonnetia, Buritizais, Campinas Brejosas, Campos de Dunas, Campinaranas Arborizadas e Campinaranas Florestadas. Na direção dos topos das dunas estabilizadas, os horizontes E se tornam hiperespessos, e não é possível detectar o horizonte Bhs (Fig.
Os teores de carbono orgânico do solo aumentam juntamente com a maior biomassa da vegetação nas Campinaranas Florestadas ou nos Buritizais. Nas fisionomias arbóreo-arbustivas o horizonte E álbico é mais espesso (maiores que 0,5 m) e esbranquiçado, com incremento de matéria orgânica (MO) em profundidade, associado ou não a aumento de P-Mehlich e CTC (Suppl. material
A sequência de solos ao longo do gradiente Duna-Depressão Interdunas revela a dominância de materiais areno-quartzosos de fertilidade química muito baixa, com ausência de minerais facilmente intemperizáveis. No topo da duna, as areias são praticamente destituídas de nutrientes e o horizonte C não possui qualquer carga negativa, com teores de matéria orgânica tão baixos que são praticamente inertes (Suppl. material
As Campinaranas sobre Dunas requerem pesquisas mais conclusivas e detalhadas. Ainda que boa parte dos depósitos arenosos tenha sido retrabalhado em condições mais secas, não há qualquer evidência de uma deposição em clima árido para justificar tão espesso manto arenoso (
Para
Nas Campinaranas Arbustivas e Arborizadas destaca-se a presença generalizada de cupinzeiros de coloração escurecida na base dos arbustos, onde, apesar da elevada acidez, os teores de fósforo e a soma de bases são maiores, como demonstraram os estudos semelhantes no PARNA Viruá (
Solos das Encostas Íngremes Florestadas e Serras baixas
Representam o ambiente pedológico típico das serras e Inselbergs, onde os Neossolos (Quartzarênicos, Regolíticos ou Litólicos) e Cambissolos predominam, sendo sempre distróficos (Fig.
Nas partes rebaixadas de pé-de-serra, ocorrem saias aluviais com acumulações arenosas, associadas a Neossolos Quartzarênicos Hidromórfico típico (bem drenadas – Suppl. material
As escarpas do Leste, e todo o entorno que envolve os pontões da Serra da Mocidade são associadas a solos rasos, pedregosos, onde a Floresta Aberta se estabeleceu em solos instáveis, suscetíveis à movimentos de massa em larga escala (Fig.
As características pedogeomorfológicas, em conjunto com a vegetação e geologia, diferenciadas por imagens de satélites e visitas a campo, revelaram importantes traços gerais da paisagem do PARNA Serra da Mocidade. Foram identificados 12 geoambientes e diversos geobiótopos não mapeados, pela escala adotada (Fig.
Principais características dos geoambientes do Parque Nacional Serra da Mocidade, norte do Brasil.
Unidade Geoambiental | Solos | Relevo | Vegetação | Área (ha) | Usos | Riscos |
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Planícies Arenosas com Campinarana Gramíneo -Lenhosa Inundável | Espodossolo Humilúvico Órtico espessarênico | Plano | Campinarana Gramíneo-Lenhosa | 2,65 | Plantas medicinais, turismo e extrativismo vegetal | Alto risco a fogo, assoreamento natural e antrópico e desmatamento nas áreas à montante e caça |
Complexo de Paleodunas Arenosas com Campinarana Aberta | Espodossolo Ferri-Humilívico Órtico arênico, Espodossolo Humilúvico Hidromórfico arênico e Neossolo Quartzarênico Órtico típico | Ondulado | Campinarana Graminosa, Gramíneo- Arbustiva e Florestada | 2,47 | Plantas medicinais, turismo e extrativismo vegetal | Alto risco a fogo, assoreamento natural e antrópico e desmatamento nas áreas à montante e caça |
Patamares Mal Drenados com Campinarana Arborizada (1A) ou Florestadas (1B) | Espodossolo Ferrilúvico Órtico arênico | Plano | Campinara Florestada | 26,95 | Extrativismo vegetal e turismo | Assoreamento natural e antrópico e caça |
Depressões Interdunas com Formações de Buritizais em Solos Orgânicos Arenosos | Espodossolo Ferri-Humilúvico Hidromórfico organossólico | Plano | Buritizal | 2,95 | Extrativismo vegetal e turismo | Assoreamento natural e antrópico, caça e pesca |
Planícies Aluvionares com Floresta de Várzea e Igapó dos Rios Capivara e Água Boa do Univini | Gleissolo Melânico Tb Distrófico organossólico | Plano | Floresta Ombrófila Densa ou de Terra Firme e Floresta de Igapó | 3,13 | Extrativismo vegetal e turismo | Assoreamento natural e antrópico, caça e pesca |
Planícies Aluvionares com Floresta de Várzea do Rio Catrimâni sobre Plintossolos (6) | Plintossolo Argilúvico Distrófico petroplíntico e Plintossolo Argilúvico Distrófico típico | Plano | Floresta de Várzea | – | Extrativismo vegetal e turismo | Assoreamento natural e antrópico, caça e pesca |
Planícies de Inundação e Terraços com Florestas de Igapó sobre Solos Hidromórficos Arenosos | Cambissolo Húmico Distrófico gleissólico | Plano | Floresta Ombrófila Aberta | 3,66 | Coleta de frutas de Igapó, Camu-Camu (Myrciaria dubia (Kunth) McVaugh) | Assoreamento natural e antrópico, caça e pesca |
Igapós com Solos Hidromórficos Argilo – Arenosos | Neossolo Flúvico Psamático tipico | Plano | Floresta de Igapó | 3,80 | Extrativismo vegetal e turismo | Assoreamento natural e antrópico, caça e pesca |
Lajeiros de Inselbergs com Campos Rupestres | Neossolo Litólico e Neossolo Regolítico | Montanhoso | Campo Rupestre | 0,10 | Extrativismo vegetal e turismo | Garimpo, desmatamento e fogo |
Encostas Íngremes Serranas Florestadas com Solos Rasos em Relevo Montanhoso (2A) ou Relevo Escarpado (2B) | Neossolo Regolitico Distrófico arênico léptico, Neossolo Regolítico Distrófico léptico, Neossolo Quartzarênico Hidromórfico espodossólico e Neossolo Quartzarênico Hidromórfico típico | Montanhoso (2A) e Escarpado (2B) Altitude | Floresta Ombrófila Aberta submontana | 11,62 | Extrativismo vegetal e turismo | Desmoronamentos e movimentos de massa naturais, fogo natural ou antrópico, garimpo e caça |
Cristas e Pontões Serranos com Afloramentos Graníticos e Refúgios Altomontanos | Neossolo Litólico | Montanhoso | Campos de Altitude | 0,15 | Turismo e escalada | Garimpo, desmatamento e fogo |
Planaltos Dissecados (Alto Ajarani/Pacu/Catrimâni) sobre Solos Profundos | Cambissolo Háplico e Latossolo | Ondulado | Formações Florestadas (Ombrófilas, Montanas ou Submontanas) | 10,36 | Extrativismo vegetal e turismo | Garimpo, desmatamento e fogo |
Esse geoambiente pode ocorrer com a presença de arbustos baixos em patamares mais densos, ou como geobiótopos de Campinarana Parque. É muito comum no PARNA Serra da Mocidade e marca o padrão aplainado inundável dos sistemas arenosos. O solo representativo desse geoambiente é o Espodossolo Humilúvico Órtico espessarênico (Suppl. material
Os patamares arenosos possuem uma grande complexidade de ambientes em nível local, com gradientes de formações dos campos arenosos brejosos com Campinarana Graminosa, para as planícies arenosas e paleodunas com Campinarana Gramíneo-Arbustiva, e para as colinas e patamares arenosos altos com Campinarana Florestada (Fig.
Nesse geoambiente, o lençol freático é elevado o ano todo, ocorrendo Campinarana Gramíneo-Lenhosa sobre extensas planícies encharcadas, formação de áreas aplainadas e rebaixadas, de relevo deprimido e lençol freático superficial ou aflorante. O estrato herbáceo é densamente recoberto por espécies de Cyperaceae (Lagenocarpus spp.) e Poaceae. Na cobertura herbácea encontram-se ainda espécies típicas de áreas úmidas, como Xyris spp. e Abolboda spp. (Xyridaceae), Paepalanthus spp. e Syngonanthus spp. (Eriocaulaceae), Utricularia sp. (Lentibulariaceae) e Drosera sp. (Droseraceae), além de pteridófitas, como a espécie ameaçada Schizaea elegans (Vahl) Sw. (Schizaeceae) (Suppl. material
Nesse geoambiente, o lençol freático alcança nível mais superficial que o anterior, e os solos são mais lixiviados e ácidos, com maior dificuldade para o estabelecimento de árvores de maior porte. Ocorre a vegetação de Campinarana Graminosa e Arbóreo-Arbustiva, em solos com maior nível de hidromorfismo do que Planícies Arenosas Inundáveis com Campinaranas Gramíneo-Lenhosas, bem como por período mais prolongado de inundação sazonal.
Segundo o levantamento florístico realizado no vizinho PARNA Viruá (
O geobiótopo de Barcella odora é uma variação especial e singular dos geoambientes de Campinarana Graminosa, nas partes onde há ligeira sobrelevação do manto arenoso lavado e mal drenado. É uma das geofáceis associadas à presença conspícua de Muricis (Byrsonima sp.), Candelabro (Platycarpum egleri), Clusia panapanari (Aubl.) Choisy, além do estrato herbáceo com Cyperaceae, Poaceae, Xyridaceae (Xyris spp. e Abolboda spp.) e Euriocaulaceae (Paepalanthus spp. e Syngonathus spp.).
O geobiótopo de Depressões com Campos Brejosos e Vegetação Semiaquática sobre solos arenosos hidromórficos ocorrem onde o lençol freático é muito elevado o ano todo, mesmo no auge da estação seca, representam amplas áreas de campos inundados, e são considerados como formações pioneiras pelos critérios de
O geoambiente de Paleodunas abrange um megassistema eólico antigo, estabilizado, ocupando todos os principais interflúvios das baixadas do PARNA Serra da Mocidade, e representa um geossistema formado em condições áridas/semiáridas bem distintas do clima super-úmido atual. A datação desses eventos aponta para o último Máximo Glacial, quando os mesmos processos erosivos que exumaram e erodiram o manto latossólico nos divisores Catrimâni/Ajarani/Água Boa, dispararam processos de intensa remobilização de areias (pré-existentes) no Pediplano rio Branco-rio Negro, o que originou imensos sistemas de dunas, hoje praticamente estabilizados pelas Campinaranas (
As paleodunas do PARNA Serra da Mocidade são parabólicas, simples ou compostas, com uma sequência de geobiótopos bem típica, entre a crista da Duna e as Depressões Interdunas. Indicam uma gênese vinculada a períodos de aridez no Holoceno tardio, pela facilidade de mobilização das areias sob cobertura vegetal incipiente, de Campinas Arenosas. Segundo
Representa um dos geoambientes onde as formações florestadas mais desenvolvidas respondem a sutis variações do regime de oscilação do lençol. Esse geoambiente marca o início da arenização generalizada da paisagem, e da presença de lençol freático elevado, responsável pela gênese de solos arenosos muito pobres em nutrientes, com nível de oscilação sazonal do lençol mais baixos que os demais tipos de Campinaranas. Os solos desse geoambiente corresponde ao Espodossolo Ferrilúvico Órtico arênico (Suppl. material
O estrato arbustivo é denso e formado por espécies de Melastomataceae (Miconia sp. Ruiz & Pav.) e Rubiaceae (Pagamea sp., Palicourea sp., Psychotria sp. e Retiniphyllum sp.). Ocorrem algumas espécies de palmeiras dentre as quais destacam-se as Bacabas (Oenocarpus bacaba Mart.), Euterpe catinga Wallace, Mauritiella aculeata (Kunth) Burret (Caranã ou Buritirana) e Leopoldinia piassaba Wallace. Entre as epífitas destacam-se algumas Araceae (Anthurium atropurpureum R.E. Schult. & Maguire, Philodendron sp.) e Orchidaceae (Epidendrum sp.). Almofadas de líquens do gênero Cladonia sp. são características desse tipo de formação.
Assim como no PARNA Viruá (
Nas faixas de transição entre os geoambientes de Campinarana Florestada para Floresta Ombrófila ocorrem geofácies de transição entre os Espodossolos/Neossolos Quartzarênicos. Essas geofáceis correspondem a uma área de tensão ecológica, com transição florística entre Campinarana Florestada e Floresta Ombrófila Densa ou Aberta. Observa-se grande dominância de Ruizterania retusa (Vochysiaceae), típica da Campinarana, além de alta frequência de indivíduos de Parahancornia amapa, Humiria balsamifera, uma espécie de Quaruba (Vochysia sp. Aubl.), Puruí (Duroia saccifera (Schult. & Schult.f.) K.Schum, Jacareúva (Calophyllum brasiliense Cambess.), Uxi (Licania apetala (E. Mey.) Fritsch) e Envira Preta (Guatteria discolor R.E. Fr.). Nessas faixas, observam-se muitos indivíduos mortos de Itaúba (Mezilaurus itauba (Meisn.) Taub. ex Mez), o que sugere uma mudança ambiental recente devido à elevação do lençol freático.
Nesse geoambiente ocorrem solos do tipo Espodossolo Ferri-Humilúvico Hidromórfico organossólico (Suppl. material
Em associação, também ocorrem nesse geoambiente Mauritiella aculeata, e mais raramente, Açaí-jussara (Euterpe precatoria Mart.). Nas transições com igapós, são comuns geofácies de associações de Mauritia flexuosa com Calophyllum brasiliense, Ucúba Branca (Virola sp.), arvoretas de Cybianthus sp. e Tococa sp. Nas partes mais inundáveis ocorrem campos brejosos dominados por gramíneas e ciperáceas que suportam longos períodos de inundação, como espécies de Droseraceae, Xyridaceae, Rapateaceae, Lentibulariaceae e, principalmente Nymphaea sp. (Nymphaeaceae), Cabomba sp. (Cabombaceae) e Nymphoides sp. (Menyanthaceae), além de plantas aquáticas como Wolffia brasiliensis e Spirodela sp. (Lemnaceae).
É o geoambiente de várzeas altas com terras firmes, que represa os Pantanais arenosos em sua retaguarda, com raros e episódicos pulsos de inundação mais prolongada. Representa um geoambiente de solos moderadamente a bem drenados dos Terraços Antigos dos rios Capivara e Univini com vegetação de Floresta Ombrófila Densa das terras baixas ou Floresta de Terra Firme. O solo representativo desse geoambiente é Gleissolo Melânico Tb Distrófico organossólico (Suppl. material
São Matas Aluviais que se desenvolvem sobre Plintossolos nas margens mais altas, sazonalmente inundáveis, do rio Catrimâni. Os solos representativos deste geoambiente são Plintossolo Argilúvico Distrófico petroplíntico e Plintossolo Argilúvico Distrófico típico (Suppl. material
É o geoambiente florestado de maior porte, biomassa e diversidade, ocupando os terraços antigos dos rios Água Boa e Catrimâni e todos os igarapés de maior porte, que drenam a Serra da Mocidade. O lençol freático varia bem mais (>120 cm) do que nos demais geoambientes e a inundação aluvial é inexistente, ou muito curta. A pedogênese avançou a ponto de formar Cambissolo, com solos bem mais cromados que os Gleissolos Melânicos, associados. Na sequência mostrada na Fig.
São os geoambientes de extensos Igapós do rio Univini e Catrimâni, situados em níveis altimétricos das enchentes dos rios e representam uma das mais amplas áreas de Igapós do sul de Roraima. O solo representativo desse geoambiente é o Neossolo Flúvico Psamático típico (Suppl. material
Representa um geoambiente de amplos espaços com campos inundáveis e vegetação arbustiva com Clusia sp., Abiurana (Chrysophyllum argenteum subsp. auratum (Miq.) T.D.Penn, Molongó (Ambelania cuneata Müll.Arg.), Camu-Camu (Myrciaria dubia (Kunth) McVaugh), Licania discolor Pilg., e muitas plantas herbáceas e macrófitas aquáticas semelhantes em composição às que ocorrem nos Buritizais mais inundáveis, como Aningas (Montrichardia sp.) Philodendron sp. (Araceae), Xyridaceae, Rapateaceae, Lentibulariaceae e, principalmente Nymphaea sp. (Nymphaeaceae), Cabomba sp. (Cabombaceae), Wolffia brasiliensis e Spirodela sp. (Lemnaceae) (Suppl. material
Ocorrem ainda geobiótopos de Igapós Abertos com solos alagados. São ambientes de campos inundáveis com vegetação arbustiva e muitas plantas herbáceas e macrófitas aquáticas semelhantes em composição às que ocorrem nos Buritizais mais inundáveis, como Montrichardia linifera (Arruda) Schott (Aningas), Philodendron sp., Xyridaceae, Rapateaceae, Lentibulariaceae e, principalmente Nymphaea sp., Cabomba sp., Wolffia brasiliensis e Spirodela sp.
Nos Igapós, o estágio sucessional arbóreo é semelhante ao da Floresta de Igapó, com formação de extensas reentrâncias e alinhamentos de paleomeandros, com palmeiras como Astrocaryum jauari e árvores como Calophyllum brasiliense, Calycophyllum spruceanum (Benth.) K. Schum., Inga sp., Triplaris weigeltiana (Rchb.) Kuntze e Virola sp.
No PARNA Serra da Mocidade, assim como no PARNA Viruá (
Geoambiente com ocorrência dominante de Floresta Ombrófila Aberta submontana desenvolvida sobre solos relativamente rasos, com ocorrência esparsa e frequente de afloramentos rochosos, que recobrem os setores mais íngremes e ravinados dos inselbergs e morros residuais da Serra do Cumarú e partes baixas da Serra da Mocidade e Pacu, em altitudes superiores a 80 metros.
Nas áreas de declive acentuado predominam os Neossolos (Litólicos ou Regolíticos), com a presença de blocos rochosos em superfície (Suppl. material
Esse geoambiente pode apresentar solos mais profundos, quimicamente ácidos, distróficos e de baixa fertilidade natural, resultante da influência do material de origem (profundamente pré-intemperizado). Apresenta valores muito baixos de soma de bases (0 a 0,30 cmolc/dm3), capacidade de troca catiônica (0 a 1,69 cmolc/dm3) e saturação de bases (0 a 4%), com saturação por alumínio de 79,5% a 97% nas camadas superficiais (
São áreas de extrema riqueza florística, com variações faciológicas que abrangem Florestas Abertas com Bacaba, Floresta Aberta com Inajás, de Cipoais, entre outras. De acordo com
As espécies arbóreas de maior frequência são Protium apiculatum, Ocotea cinerea, Licania heteromorpha, Licania apetala, Guatteria sp., Pseudolmedia laevis além da presença frequente de Oenocarpus bacaba, que parece colonizar preferencialmente áreas com solos argilosos, bem drenados. Ocorrem geofácies de Floresta Aberta com palmeiras Inajá com grande abundância de palmeiras Attalea maripa em cotas um pouco mais elevadas das serras, onde ocorrem solos mais argilosos e avermelhados. A composição florestal é mais aberta e de porte elevado, diferindo pouco das formações florestais.
Na base das escarpas formam-se extensos tálus rochosos, que evidenciam fases semiáridas quando a erosão (morfogênese) era bem mais ativa, mobilizando grandes blocos rochosos que se acumularam nos sopés das escarpas frontais de leste. A oeste, o Planalto tem uma suave queda na direção dos formadores dos rios Catrimâni, Pacu e Ajarani, sem formar tálus.
Com base em fotos aéreas, identificou-se um rico mosaico de vegetação aberta, campestre, recobrindo os picos mais elevados da Serra da Mocidade, constituindo assim os únicos Campos de Altitude nebulares conhecidos nessa parte da Amazônia. O difícil acesso impediu uma inspeção dos solos, mas a vegetação parece muito semelhante àquela dos pontões do sudeste brasileiro, com dominância de espécies da família Bromeliaceae, e com uma certa afinidade à flora Tepuiana, embora especulativa. Uma expedição por solo é a única maneira de avaliar esse geoambiente singular, de enorme importância para a origem das vegetações abertas da Amazônia.
Ocorrem em forma de um planalto dissecado em mar de morros, a oeste das escarpas da serra, voltado às drenagens que formam os rios Catrimâni e Ajarani. A ocorrência de um manto de intemperismo profundo (saprolito) foi observada em diversos cortes de estrada na Perimetral Norte, no ramal que penetra no território Yanomami. À medida que o relevo se torna mais montanhoso, as rochas cristalinas gnáissicas mostram-se alteradas em grande profundidade, à exceção dos terrenos graníticos mais resistentes. Assim, o planalto dissecado em mares de morros é muito semelhante ao padrão de relevo e solos encontrados na Zona da Mata de Minas Gerais, com formações Florestadas (Ombrófilas, Montanas ou Submontanas), um tipo semelhante à Mata Atlântica. Ocorrem Cambissolos Háplicos, distróficos, nas partes mais declivosas, e Latossolos nas encostas mais estáveis e convexas. O aprofundamento do entalhe fluvial é controlado pelo manto de intemperismo profundo, mas ocorrem leitos rochosos desde os trechos mais encaixados, em rochas mais resistentes. É um geoambiente chave para o PARNA Serra da Mocidade, embora praticamente desconhecido, cuja vegetação suscita questões importantes pela similaridade com a Mata Atlântica.
O PARNA Serra da Mocidade abriga um mosaico de ecossistemas, com ampla heterogeneidade ambiental e ecológica. A unidade de conservação, além de apresentar significativas áreas de Floresta Ombrófila amazônica com elevada diversidade, corresponde, em conjunto com o PARNA Viruá e Estação Ecológica de Niquiá, a uma das mais extensas e representativas áreas de Campinaranas no Brasil. Além disso, é exemplar de exceção, em meio a vastidão arenosa inundável, por representar o único conjunto montanhoso granítico-gnáissico de grande extensão e altimetricamente complexo do norte amazônico. O contraste entre as porções mais elevadas da paisagem, com um mosaico ainda desconhecido de Latossolos e Cambissolos, e os grandes espaços inundáveis e baixios do pediplano rio Branco-rio Negro, com os mais profundos Espodossolos conhecidos do Brasil, destacam as peculiaridades dos aspectos pedológicos do Parque. O significativo controle edáfico sobre as diferentes paisagens, possibilitou a descrição de distintos pedoambientes, com destaque nos solos: Espodossolo Humilúvico, Espodossolo Ferri-Humilúvico, Espodossolo Ferrilúvico, Neossolo Quartzarênico, Neossolo Regolítico, Neossolo Flúvico, Plintossolo Háplico, Plintossolo Argilúvico, Gleissolo Melânico e Cambissolo Háplico. Além dos solos, diferenças geomorfológicas, geológicas e vegetacionais foram importantes na diversidade geoambiental da unidade de conservação, com a identificação de 12 geoambientes. Dentre esses geoambientes, os que apresentaram maior representatividade em área territorial foram: Patamares Mal Drenados com Campinarana Arborizada ou Florestada, Encostas Íngremes Serranas Florestadas com Solos Rasos em Relevo Montanhoso ou Relevo Escarpado e Planaltos Dissecados (Alto Ajarani/Pacu/Catrimâni) sobre Solos Profundos. A estratificação geoambiental e suas respectivas descrições é estratégia metodológica essencial na consolidação das informações do meio biótico e abiótico, entrelaçadas, de maneira tal a auxiliar na definição mais precisa e adequada das formas de manejo e gestão do Parque.
À equipe do Parque Nacional Serra da Mocidade, especialmente Romério Briglia Ferreira e Érica Tieko Fujisaki e ao ICMBio (Roraima), pelo apoio logístico e financiamento deste trabalho; à Universidade Federal de Roraima e Universidade Federal de Viçosa, pelo apoio técnico; a Ricardo de Oliveira Perdiz (INPA- Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) e demais especialistas que contribuíram para identificação das espécies vegetais; bem como aos construtivos comentários dos revisores anônimos.
Características químicas e físicas dos solos do Parque Nacional Serra da Mocidade
Explanation note: Tabela S1. Características químicas e físicas dos solos do Parque Nacional Serra da Mocidade, norte do Brasil. Tabela S2. Lista florística das espécies amostradas no Parque Nacional Serra da Mocidade, norte do Brasil, apresentada em ordem alfabética de famílias, gêneros e espécies.