Short Communication |
Corresponding author: Adriano Lima Silveira ( biosilveira@yahoo.com.br ) Academic editor: Ana Maria Leal-Zanchet
© 2020 Adriano Lima Silveira, Lucas Soares Vilas Boas Ribeiro, Tiago Teixeira Dornas, Taís Nogueira Fernandes.
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Citation:
Silveira AL, Ribeiro LSVB, Dornas TT, Fernandes TN (2020) Novos registros de Sphaenorhynchus canga (Amphibia, Anura, Hylidae) no Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais, Sudeste do Brasil. Neotropical Biology and Conservation 15(1): 19-28. https://doi.org/10.3897/neotropical.15.e48718
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A perereca Sphaenorhynchus canga foi recentemente descrita, com distribuição geográfica restrita, na borda leste do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais. A espécie foi originalmente registrada em cinco lagoas ou poças naturais em área de campo rupestre ferruginoso (canga), na região da Chapada de Canga e entorno. A partir de amostragens em campo e análise de coleção científica, são apresentados novos registros geográficos da espécie. Sphaenorhynchus canga foi registrado em sete novas localidades de corpos d’água lênticos, tanto naturais quanto antrópicos (pequenas represas), em áreas de campo rupestre ferruginoso e floresta estacional semidecidual antropizada. Como a descrição da espécie baseou-se apenas em machos, apresenta-se a morfometria das fêmeas analisadas, que se apresentaram maiores que machos. Seis localidades situam-se externamente aos limites da Chapada de Canga, mas S. canga continua sendo endêmico do Quadrilátero Ferrífero. São discutidos possíveis padrões de distribuição de S. canga e a influência da distribuição geográfica conhecida e da plasticidade ecológica sobre ameaças à espécie.
The tree frog Sphaenorhynchus canga was recently described, with restricted geographic distribution, on the eastern border of the Quadrilátero Ferrífero in Minas Gerais. The species was originally recorded in five lagoons or natural ponds in areas with ferruginous rupestrian grasslands (canga), in the Chapada de Canga region and surroundings. From field samplings and scientific collection analysis, we present new geographic records of the species. Sphaenorhynchus canga was recorded in seven new localities of lentic water bodies, both natural and anthropic (little dams), in areas witch ferruginous rupestrian grasslands and anthropogenic semideciduous seasonal forest. Since the description of the species was based only on males, we provide morphometrical data of females, which were larger than males. Six localities are outside the limits of Chapada de Canga, but S. canga remains endemic to the Quadrilátero Ferrífero. Possible distribution patterns of S. canga and the influence of the known geographic distribution and the ecological plasticity on threats to the species are discussed.
Anfíbios, Chapada de Canga, Quadrilátero Ferrífero, distribuição geográfica, endemismo, conservação
Amphibians, Chapada de Canga, Quadrilátero Ferrífero, geographic distribution, endemism, conservation
Sphaenorhynchus canga Araujo-Vieira, Lacerda, Pezzuti, Leite, Assis & Cruz, 2015 foi recentemente descrito com base em exemplares coletados na Chapada de Canga, no extremo norte do município de Mariana, porção leste do Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais, Brasil (
Por meio do polígono convexo mínimo,
O Quadrilátero Ferrífero é uma área serrana com cerca de 7000 quilômetros quadrados, centralizado aproximadamente na latitude 20°15'S e longitude 43°30'O em Minas Gerais, Brasil (
Estudos sobre os anfíbios do Quadrilátero Ferrífero têm abordado composição faunística, taxonomia, distribuição geográfica e ecologia, especialmente nas últimas décadas (
No presente trabalho são apresentados novos registros de S. canga em localidades adjacentes à Chapada de Canga, no Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. Adicionalmente, como a descrição da espécie baseou-se apenas em machos, apresenta-se morfometria das fêmeas analisadas. Também são descritas algumas observações de história natural e comenta-se o nível de endemismo da espécie.
Os registros foram obtidos em uma ampla amostragem da herpetofauna realizada no período de março de 2016 a março de 2018, em 17 áreas no Quadrilátero Ferrífero, abrangendo os municípios de Mariana, Ouro Preto, Catas Altas, Santa Bárbara, Rio Acima, Itabirito, Nova Lima e Itabira, e incluindo nove Unidades de Conservação. Foi aplicado o método de busca ativa noturna em sítios reprodutivos (adaptado de
Sphaenorhynchus canga foi registrado em sete novas localidades de ocorrência, todas situadas no município de Mariana, correspondendo a sítios reprodutivos aquáticos. Nas amostragens em campo, cerca de 40 machos vocalizantes e uma fêmea de S. canga foram registrados em seis localidades, e na coleção LZVUFOP analisou-se uma fêmea procedente de mais uma localidade (Tabela
Distribuição geográfica de Sphaenorhynchus canga, em Mariana, Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais, Brasil, com a Chapada de Canga delimitada pela linha verde (base georreferenciada elaborada por Allaoua Saadi). Tipos de registros: novo registro da coleção LZVUFOP (ponto vermelho); novos registros de campo (pontos azuis); registros prévios (pontos amarelos;
Dados dos registros de Sphaenorhynchus canga no município de Mariana (Minas Gerais, Brasil), incluindo os espécimes testemunhos coletados em campo ou localizados em coleção científica. LZVUFOP – Laboratório de Zoologia de Vertebrados, Universidade Federal de Ouro Preto;
Espécimes testemunhos | Localidade | Latitude; Longitude | Altitude (m) | Ambiente | Data de coleta | Abundância | Registro |
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Distrito de Santa Rita Durão, borda da Chapada de Canga, lagoa em afluente do Córrego do Brumado | 20,1664°S; 43,4332°O | 894 | Lagoa natural em transição campo rupestre ferruginoso/floresta estacional semidecidual secundária | 29/III/2016 | 15 | Coleta e canto |
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Distrito de Santa Rita Durão, represa da antiga captação de água | 20,1760°S; 43,4239°O | 898 | Represa em floresta estacional semidecidual secundária | 11/I/2017 | 10 | Coleta e canto |
LZVUFOP 3393A, 3394A, 3396A, 3397A (machos); LZVUFOP 3392A (fêmea) | Distrito de Santa Rita Durão, Fazenda Fábrica Nova Leste, poças temporárias em pequeno afloramento de canga | 20,2028°S; 43,3919°O | 848 | Lagoa temporária em campo rupestre ferruginoso (canga) | 22/XI/2016 | 10 | Coleta e canto |
Sem coleta | Distrito de Santa Rita Durão, brejo em afluente do Rio Piracicaba | 20,2090°S; 43,3811°O | 803 | Brejo antrópico represado em capoeira de floresta estacional semidecidual e eucaliptal | 23/XI/2016 | 1 | Canto |
LZVUFOP 3395A (macho) | Distrito de Santa Rita Durão, Fazenda Fábrica Nova Leste, represa no Córrego Gambeta | 20,2164°S; 43,3994°O | 815 | Brejo de represa em capoeira de floresta estacional semidecidual e eucaliptal | 23/XI/2016 | 3 | Coleta e canto |
LZVUFOP 3403A (fêmea) | Distrito de Camargos, represa no Córrego Capitão | 20,2597°S; 43,3761°O | 699 | Represa com grande brejo em pastagem e floresta estacional semidecidual secundária | 23/III/2018 | 1 | Coleção |
Sem coleta | Distrito de Bandeirantes, represa em afluente do Córrego Tambor | 20,3144°S; 43,4106°O | 855 | Pequena represa em floresta estacional semidecidual secundária | 24/III/2018 | 2 | Canto |
Foram observados machos emitindo vocalização de anúncio nos meses de novembro, janeiro e março, o que indica um período reprodutivo mais estendido ao longo da estação chuvosa, do fim da primavera ao início do outono. Os machos estavam vocalizando sobre a vegetação aquática flutuante (salvínea), empoleirados na vegetação herbácea emergente da água (junco) ou empoleirados na vegetação arbustiva marginal, até uma altura de 1,5 metro do nível da água. Em dias chuvosos os machos vocalizavam no início da manhã, no fim da tarde e à noite, até cerca de meia noite, sendo que os coros intensificavam-se sob chuva fina.
Nove machos analisados (Tabela
As duas fêmeas analisadas (LZVUFOP 3392A e 3403A) apresentaram, respectivamente, as seguintes medidas (mm): comprimento rostro-cloacal: 30,16 e 30,96; comprimento da cabeça: 12,16 e 12,18; largura da cabeça: 10,42 e 10,40; distância internasal: 2,08 e 2,00; distância interorbital: 4,64 e 4,88; distância olho-narina: 2,82 e 3,00; diâmetro do olho: 2,60 e 2,90; comprimento da mão: 15,40 e 15,21; comprimento da coxa: 15,28 e 15,46; comprimento da tíbia: 15,16 e 15,34; comprimento do pé: 14,44 e 14,40; diâmetro do disco do terceiro dedo: 1,34 e 1,50; diâmetro do disco do quarto artelho: 1,40 e 1,40. As medidas das fêmeas foram maiores que aquelas dos machos apresentadas por
Duas localidades de registro corresponderam a ambientes aquáticos naturais: uma pequena lagoa perene, profunda (cerca de 3 m) e situada em uma fenda, e um conjunto de poças temporárias e rasas (menos que 1 m). A lagoa situa-se em área de transição entre campo rupestre ferruginoso e floresta estacional semidecidual, localizada na borda sudoeste da Chapada de Canga (Fig.
Habitats de coleta de Sphaenorhynchus canga em Mariana, Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais, Brasil: A. lagoa em área de transição entre campo rupestre ferruginoso e floresta estacional semidecidual, B. poça temporária em campo rupestre ferruginoso, C-D. pequenas represas em floresta estacional semidecidual.
Cinco das novas localidades de registro estão situadas entre os rios Piracicaba e Gualaxo do Norte, ao passo que duas situam-se ao sul do segundo rio. Apenas a localidade de registro mais setentrional (lagoa natural) está situada na Chapada de Canga, sendo que as outras seis localizam-se externamente aos limites da Chapada, na borda oriental do Quadrilátero Ferrífero. A represa no afluente do Córrego Tambor, onde foi obtido o registro mais meridional, pertence à microbacia do Rio do Carmo. Esses registros ampliam a distribuição geográfica conhecida de S. canga em 12 km ao sul da localidade de registro prévio mais próximo, nas proximidades de Santa Rita Durão (
Com base nos novos registros, a distribuição geográfica de S. canga é redefinida para a Chapada de Canga e região ao sul desta, nas cabeceiras das bacias dos rios Piracicaba, Gualaxo do Norte e Carmo, incluindo manchas disjuntas de campo rupestre sobre canga com poças temporárias e áreas de floresta estacional semidecidual antropizada com represas e brejos antrópicos. A espécie continua sendo reconhecida como endêmica do Quadrilátero Ferrífero. Embora
Os novos registros também evidenciam que S. canga exibe uma maior plasticidade ecológica, ocorrendo em formações de campo rupestre ferruginoso, floresta estacional semidecidual secundária e eucaliptal com regeneração florestal, estando adaptado a reproduzir-se em corpos d’água lênticos antrópicos, tais como represas e brejos, além das lagoas e poças naturais.
Esses novos dados sugerem dois possíveis padrões de distribuição geográfica. Em um primeiro cenário, S. canga seria originalmente restrito à Chapada de Canga, reproduzindo-se em lagoas e poças naturais, e secundariamente ampliou sua distribuição para áreas de floresta antropizada adjacentes, onde se adaptou para reproduzir-se em brejos e represas antrópicos. Outro cenário seria que S. canga apresente distribuição na região de Mata Atlântica situada a leste do Quadrilátero Ferrífero, exibindo limite ocidental da área de ocorrência na Chapada de Canga, não alcançando serras mais elevadas do Quadrilátero, e atualmente se reproduzindo em ambientes lênticos naturais e antrópicos. Esse segundo padrão explicaria a ausência de registros de S. canga nos campos rupestres da Serra do Caraça, na adjacência oeste da Chapada de Canga, como comentado por
O caráter de distribuição restrita a uma área fortemente antropizada (Chapada de Canga) e de restrição a habitat (campo rupestre ferruginoso com lagoas e poças naturais) significaria que toda a população de S. canga poderia estar exposta às ameaças locais, descritas por
Agradecemos à companhia Vale S. A., pelo suporte financeiro e autorização de publicação dos dados levantados em projetos ambientais; à empresa Amplo Engenharia e Gestão de Projetos, pelo suporte logístico e técnico; a Maria Rita S. Pires, pela autorização de consulta à coleção de anfíbios da Universidade Federal de Ouro Preto; a José Janderson F. Rocha e Darllen Felipe S. Dias, pelo apoio nas atividades de campo; a Allaoua Saadi, por ceder a base georreferenciada da Chapada de Canga; a Alessandro C. Pereira, pelo auxílio na confecção do mapa; e aos revisores anônimos, pelas correções e sugestões ao manuscrito.