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Padrões espaciais da vegetação lenhosa associados ao processo de expansão da Floresta com Araucaria sobre Campos excluídos de manejo
Woody species patterns linked to the process of Araucaria Forest expansion over native grasslands excluded from management
expand article infoCamila Fonseca Schinestsck, Sandra Cristina Müller, Valério D. Pillar
‡ Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brazil
Open Access

Resumo

O processo de expansão florestal tem sido observado em regiões de mosaicos de campo-floresta no Sul do Brasil, especialmente em campos excluídos de fogo e pastejo. Outros fatores influenciam esse processo, porém a magnitude ainda permanece pouco compreendida. Neste estudo, avaliamos os padrões da vegetação lenhosa estabelecida num campo excluído de manejo por 34 anos, relacionando-os com variáveis de solo e espaço. Estabelecemos 110 parcelas (113 m2 cada) de forma sistemática sobre áreas mapeadas como campos em 1985, na Estação Ecológica de Aracuri, Rio Grande do Sul, Brasil. Foram amostrados todos os indivíduos lenhosos e variáveis de solo. Análises de ordenação e de partição da variância da composição de espécies nos componentes solo, espaço, e solo estruturado no espaço foram empregadas. Os padrões da vegetação foram melhor explicados pelo espaço, principalmente a distância da área fonte florestal. Comunidades mais próximas da antiga borda florestal são caracterizadas por mais espécies e indivíduos com dispersão zoocórica. Áreas mais distantes têm predomínio de arbustos campestres (Baccharis uncinella) e poucas arbóreas se estabeleceram. O solo apresentou baixa explicação (5%), porém as condições modificam-se conforme o desenvolvimento florestal avança. Concluímos que a expansão florestal em área excluída de distúrbios tem forte associação com o espaço – a distância de áreas fonte, e que os fatores edáficos pouco contribuem com a magnitude do avanço sobre o campo.

Abstract

The forest expansion process has been observed in forest-grassland mosaics regions in the south of Brazil, mainly over grasslands excluded from cattle grazing and fire. Other factors influence this process, but the magnitude remains almost unknown. Here, we evaluated woody species community patterns on a grassland area, excluded from management for 34 years, relating them to soil and space variables. We established 110 plots (113 m2 each) over areas that were mapped in 1985 as grasslands, in the Estação Ecológica de Aracuri, Rio Grande do Sul, Brazil. All woody individuals and soil variables were sampled in the plots. Ordination analyses and partial redundancy analysis were applied on these data to meet our aims. Vegetation patterns were better explained by spatial variables, especially concerning the distance from the forest source. Communities closer to the old forest border were characterised by forest species – higher richness and density of zoocoric species. In the most distant border areas, grassland shrubs (Baccharis uncinella) still prevail with few established trees. Although soil had a low proportion of vegetation variance explanation (5%), this situation, however, changes as forest development advances. We conclude that forest expansion in excluded grassland areas is strongly associated with space – the forest source distance and that the effect of soil factors in this process is negligible.

Palavras-chave

Expansão florestal, mosaico floresta-campo, vassoural, sucessão, Sul do Brasil

Keywords

forest expansion, grassland-forest mosaic, shrubland, succession, southern Brazil

Introdução

A expansão de florestas sobre ecossistemas campestres é um processo observado em diferentes região do mundo que apresentam paisagens com mosaicos de campo-floresta (Puyravaud et al. 2003; Vhalinavho e Bond 2008; Hoffmann et al. 2012), especialmente sob climas tropicais e subtropicais onde os ecossistemas podem apresentar dois estados estáveis alternativos (Hirota et al. 2011; Blanco et al. 2014). No Sul do Brasil observamos a ocorrência de mosaicos de campo-floresta com frequência na paisagem, variando quanto à predominância da matriz principal campestre ou florestal. No Planalto Meridional Brasileiro, limites abruptos entre fisionomias florestais e campestres, sem mudanças ambientais evidentes, levaram os primeiros naturalistas a postularam que os campos seriam relictos da última glaciação e que as florestas estariam em franca expansão (Lindman 1906; Rambo 1956; Klein 1975). Posteriormente, estudos com análises de diagramas de composição paleopolínica e abundância de partículas carbonizadas em perfis de sedimento coletados em turfeiras (Behling et al. 2001; Behling et al. 2009; Behling e Pillar 2007), bem como análises de carbono (14C e δ13C) no solo (Dümig et al. 2008), corroboraram essas hipóteses. Dados indicam que os campos dominaram de 42.000 a 10.000 anos AP (antes do presente) sob um clima frio e seco e que a expansão florestal iniciou-se lentamente em torno de 4.000 AP, devido ao aumento da pluviosidade e diminuição da sua estacionalidade. Evidências de partículas carbonizadas indicam que o fogo ocorria esporadicamente nessa região durante as épocas glaciais, passando a ser mais frequente no início do Holoceno (Behling e Lichte 1997; Behling et al. 2004). Além do fogo, há evidências fósseis de grandes mamíferos pastadores vivendo na região até em torno de 8,5 mil anos atrás (Kern 1997; Behling et al. 2009), indicando uma história evolutiva dos campos associada ao pastejo por grandes herbívoros. Estudos recentes também propõem que a atividade de povos indígenas pode ter acelerado o processo de expansão da Floresta com Araucária, visto que modelos revelam que as áreas de ocorrência florestal atuais excedem as preditas por dados baseados apenas no clima e relevo, e coincidem com adensamentos de sítios arqueológicos (Robinson et al. 2018).

Nas condições atuais, tanto o pastejo pelo gado quanto o fogo são apontados como fatores-chave na manutenção da fisionomia e diversidade de plantas campestres nas regiões de mosaicos com floresta (Pillar e Quadros 1997). Na ausência destes distúrbios, observa-se um adensamento de espécies lenhosas nos campos (Oliveira e Pillar 2004; Müller et al. 2012), que por sua vez acarretam em sombreamento e diminuição da diversidade de plantas herbáceas (Guido et al. 2017). Esse adensamento, principalmente por espécies de vassouras (e.g. Baccharis spp), contribui com o processo de expansão florestal e tem sido observado globalmente (Bowman et al. 2001; Cabral et al. 2003; Puyravaud et al. 2003; Vhalinavho e Bond 2008). O aumento da temperatura e do CO2 atmosférico são fatores em escala global potencialmente associados ao adensamento de lenhosas, pois aceleram as taxas de crescimento de lenhosas em detrimento de espécies de gramíneas (Müller et al. 2012).

Além dos efeitos de mudanças climáticas globais e efeitos de distúrbios, outras variáveis locais, como distância de uma área-fonte florestal, orientação predominante do relevo, presença de matacões (afloramentos rochosos), características de solo, frequência e intensidade de geadas, podem influenciar os padrões de adensamento e expansão florestal (Pillar 2003; Carlucci et al. 2011; Müller et al. 2012; Carlucci et al. 2015; Hoffmann et al. 2019). Variáveis abióticas associadas ao relevo e ao solo podem modificar condições microclimáticas que por sua vez favorecem o estabelecimento de indivíduos lenhosos numa matriz predominantemente campestre. Esse mecanismo pode desencadear outra forma de expansão florestal, conhecida como nucleação. A nucleação é inicialmente condicionada pela presença de poleiros naturais – i.e. indivíduos arbóreos que lograram se estabelecer e crescer na matriz campestre – ou mesmo pela presença de matacões – afloramentos rochosos que se sobressaem na matriz campestre e que favorecem o mecanismo inicial de chegada e/ou estabelecimento de indivíduos lenhosos (Duarte et al. 2007; Carlucci et al. 2011). Estes indivíduos, com o passar do tempo, promovem a nucleação de manchas florestais na matriz campestre, as quais podem vir a aumentar e coalescer com outras manchas ou remanescentes florestais. A colonização e estabelecimento de lenhosas no campo pode, portanto, ocorrer a partir da expansão da borda ou por nucleação e posterior coalescência dos núcleos florestais, culminando no predomínio de uma vegetação florestal em detrimento de mosaicos campo-floresta. O papel de variáveis edáficas nesse processo e o quanto o processo de expansão é determinado por mecanismos de adensamento de lenhosas a partir da borda ou a partir de nucleação, entretanto, permanecem pouco conhecidos.

Este estudo objetivou avaliar padrões de comunidades de plantas numa área de ecótono campo-floresta sob a perspectiva de processos relacionados à expansão florestal, avaliando a relação entre a composição e estrutura da vegetação lenhosa que se desenvolveu sobre uma área de campo excluído de manejo por 34 anos com fatores de solo e espaço. Como principal hipótese, conjeturamos que a limitação de dispersão, uma função predominantemente associada à distância da fonte de propágulos, é preponderante em relação à influencia de variáveis edáficas. Mais especificamente buscamos responder as seguintes questões: (i) Quais são os padrões do avanço florestal sobre as áreas de campo excluído de manejo em termos de composição de espécies lenhosas? (ii) Existe relação entre estes padrões, o espaço e variáveis edáficas? (iii) Existe relação entre riqueza de espécies lenhosas e densidade de espécies zoocóricas estabelecidas na área de campo com a distância de áreas-fonte florestais?

Material e métodos

Área de estudo

O presente estudo foi realizado na Estação Ecológica de Aracuri (EEA), município de Muitos Capões, Rio Grande do Sul (28°13'S, 51°10'W), Brasil. A EEA foi criada em 1981 (Decreto Federal n° 86061/1981) e desde então as áreas originalmente campestres estão sob exclusão de qualquer manejo (fogo e pastejo) (Supl. material 1: Figura S1). A área localiza-se na região do Planalto Meridional Brasileiro, com altitude média de 900 m. O clima enquadra-se no tipo Cfb pela classificação de Köppen, sendo temperado úmido, com chuvas bem distribuídas durante o ano. As temperaturas médias mensais são 11,2 °C no inverno e 20 °C no verão, com geadas registradas de março a dezembro (número médio anual de 25, segundo o Plano de Manejo da EEA, de 2008). A precipitação média anual varia entre 1800 a 1900 mm (Nimer 1990).

Em termos geológicos, a EEA situa-se na Formação Serra Geral, apresentando relevo suavemente ondulado, com solos do tipo Latossolo Bruno Câmbico álico (LBCa) (IBGE 2002). Fisiograficamente, a área situa-se nos Campos de Cima da Serra, cujo domínio é de Campos entremeados por Floresta com Araucária (Andrade et al. 2019), estando inserida no bioma Mata Atlântica (IBGE 2004). A EEA possui 274 hectares de área e a matriz principal correspondia à vegetação campestre entremeada por florestas de galeria e capões de Floresta com Araucária (Supl. material 1: Figura S1). Jarenkow e Baptista (1987) realizaram a fitossociologia da área florestal e Waechter et al. (1984) reconheceram quatro tipos fisionômicos na EEA: banhado, campo, vassoural e mata com Araucária. Em 2008, a área inicialmente campestre encontrava-se coberta por vegetação lenhosa, desde áreas com predomínio de Baccharis uncinella DC. e outros arbustos (vassoural) até locais com aparente desenvolvimento florestal em estágio inicial.

Delineamento amostral e coleta de dados

Para o delineamento amostral, utilizamos o mapa de vegetação da EEA de 1984 (Cestaro 1985) como base de referência para delimitar a porção de cobertura florestal existente no ano de 1984 (três anos após a exclusão de manejos aplicados no campo – pastejo extensivo com gado e potenciais queimadas). O mapa foi digitalizado e georreferenciado através do software de Sistema de Informações Geográficas ArcView 3.2., sendo plotada uma grade sobre o mapa com pontos equidistantes de 100 m entre si, gerada a partir de um ponto aleatório. As coordenadas geográficas nas intersecções dos pontos da grade serviram de referência para localizar as unidades amostrais (UAs) in situ sobre a área inicialmente mapeada como campestre. Com esse delineamento amostral sistemático, no ano de 2008 estabelecemos 110 UAs desde a borda florestal até os limites da EEA (Supl. material 1: Figura S1).

As UAs consistiram de parcelas circulares de 6 m de raio, o que perfaz 113 m2 cada. Todos os indivíduos lenhosos, exceto lianas, que apresentassem diâmetro do caule à altura do solo (DAS) maior ou igual a 5 cm foram amostrados entre 2008 e 2009. Dentro de cada UA de 113 m2, foram demarcadas três sub-parcelas de 1 m de raio para avaliar os indivíduos com DAS < 5 cm e altura mínima de 1 m. Para cada indivíduo amostrado foram registrados, além do DAS, a espécie e a altura, estimada com o auxílio de estacas de um metro de comprimento. As espécies que não puderam ser identificadas no campo foram coletadas para posterior determinação através de chaves de identificação, consulta ao Herbário ICN do Departamento de Botânica da UFRGS e auxílio de especialistas. As espécies foram categorizadas nas famílias botânicas conforme a classificação da APG-IV 2017 (Stevens 2010) e agrupadas quanto à dispersão em zoocóricas e não-zoocóricas (principalmente anemocóricas e autocóricas).

Cada UA também foi descrita pelas seguintes variáveis ambientais: distância mínima de área-fonte florestal (distância em metros da área florestal mais próxima, mapeada em 1984) e fatores químicos e físicos do solo. A coleta de solo foi realizada com trado calador, entre 0–20 cm de profundidade, com quatro sub-amostras dispostas aleatoriamente na UA. O solo foi coletado e analisado em 72 das 110 UAs, sendo estas bem distribuídas por toda a área amostral. O material coletado foi encaminhado para o Laboratório de Análises de Solo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, para análise seguindo métodos descritos em Tedesco et al. (1995). As variáveis edáficas físicas foram argila (%) e teor de matéria orgânica (MO, %), e as químicas foram pH em água, índice SMP, P (mg L-1), K (mg L-1), Al trocável (cmol L-1), Ca trocável (cmol L-1), Mg trocável (cmol L-1), alumínio + hidrogênio (AlH, cmol L-1), capacidade de troca catiônica (cmol L-1), saturação de bases (%), saturação de Al (%), Ca.Mg-1, Ca.K-1 e Mg.K-1.

Análise dos dados

Os dados coletados foram organizados em três matrizes: de unidades amostrais (UAs) por espécies, descritas pela área basal, UAs por variáveis edáficas, UAs pelas coordenadas geográficas (X e Y). Além disso, calculamos a frequência, cobertura e densidade absolutas e relativas de cada espécie a fim de estimar o índice de valor de importância das espécies amostradas na área de estudo (Mueller-Dombois e Ellenberg 1974). Estes parâmetros foram utilizados para a descrição da composição florística.

Os padrões de estrutura e composição florística foram descritos a partir da Análise de Coordenadas Principais (PCoA) sobre os dados das espécies descritas pela área basal nas comunidades (UAs), utilizando a distância de corda como medida de dissimilaridade entre UAs (Legendre e Legendre 1998). Para visualização dos dados no diagrama de dispersão, as UAs foram identificadas por 10 classes de distância mínima até uma área-fonte florestal, definidas de 50 em 50 m até os primeiros 200 m, e em seguida de 100 em 100 m (0 = na borda; 1 = 1 a 50 m; 2 = 51 a 100 m; 3 = 101 a 150 m; 4 = 151 a 200 m; 5 = 201 a 300 m; 6 = 301 a 400 m; 7 = 401 a 500 m; 8 = 501 a 600 m; e 9 = >601 m). Essa mesma matriz foi submetida a uma análise de agrupamentos (método UPGMA) para avaliação de grupos nítidos de UAs conforme sua composição florística. A consistência dos padrões pela estabilidade dos eixos de ordenação, bem como a nitidez dos grupos foram avaliadas pelo método de autoreamostragem bootstrap (Pillar, 1999a, b). Os grupos de UAs gerados a partir da análise de agrupamentos também foram testados quanto a diferenças em suas características de solo com Análise de Variância Multivariada (MANOVA) via testes de aleatorização (Pillar e Orlóci, 1996), utilizando índice de Gower entre UAs como medida de semelhança. As análises multivariadas e os testes por bootstrap foram realizados com o aplicativo MULTIV (http://ecoqua.ecologia.ufrgs.br, Pillar 2009).

A relação entre riqueza de espécies lenhosas e densidade de espécies zoocóricas com a distância em relação à borda foi avaliada com regressões lineares, sendo transformadas as variáveis que não apresentavam distribuição normal (log10 para densidade de zoocóricas).

A relação entre as variáveis de solo e o espaço foi avaliada através de partição de variância por análise de redundância parcial (RDA parcial) (Borcard et al. 2011), obtendo-se a percentagem de variação dos dados de vegetação explicada separadamente pelo espaço e pelo solo, além da percentagem explicada por ambos e da não explicada em relação à variação total. Os dados da vegetação (matriz resposta) foram primeiramente submetidos à transformação de Hellinger para atender aos pressupostos da análise. Os dados do espaço foram sintetizados a partir de PCNMs (Principal Coordinates of Neighbor Matrices, função ‘pcnm’), um método que permite detectar tendências espaciais através de várias escalas, sendo os primeiros eixos associados às maiores escalas espaciais do estudo em questão e os últimos às menores escalas (Borcard e Legendre 2002). Após a obtenção das variáveis de espaço (PCNMs positivos), tanto essas quanto as variáveis de solo foram submetidas a procedimentos de seleção (‘forward selection’) para identificar os subconjuntos mais importantes para explicar a variância da matriz resposta, usando a função ‘Bioenv’ e considerando P < 0,01 (Blanchet et al. 2008). Após esse procedimento, realizamos a análise de RDAp com os subconjuntos selecionados. Estas análises foram realizadas com o pacote ‘Vegan’ (Oksanen et al. 2019) da plataforma R (R Development Core Team 2009), sendo considerados os valores ajustados de R2 para a interpretação da contribuição de cada conjunto de variáveis (solo, espaço, solo + espaço) na explicação da matriz de vegetação (Peres-Neto et al. 2006).

Resultados

Composição florística

Foram amostradas 55 espécies distribuídas em 25 famílias botânicas (Tabela 1). As famílias mais ricas em espécies foram Asteraceae (S = 12), Myrtaceae (S = 6) e Anacardiaceae (S = 4). Asteraceae, Anacardiaceae, Myrsinaceae e Araucariaceae predominam na comunidade em termos de densidade. Dentre as espécies, cabe destacar que as cinco espécies com maior valor de importância somam 50,33% do total da comunidade (Baccharis uncinella, Myrsine coriacea (Sw.) R.Br., Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze, Lithraea brasiliensis Marchand e Eupatorium serratum Spreng.), sem contar os indivíduos mortos, que somaram quase 15% (Tabela 1). Quarenta espécies (72%) tiveram menos de 1% de VI. Juntas, estas espécies somam apenas 10% do total da comunidade.

A densidade total de indivíduos estimada para um hectare foi 1.298 indivíduos com mais de 5 cm de DAS e 11.372 indivíduos com tamanho entre < 5 cm de DAS e maior de 1 m de altura. Porém, ao excluir os indivíduos mortos em pé, esses valores passam para 1.155 e 8.498, respectivamente.

Tabela 1.

Relação das famílias e espécies lenhosas amostradas em zona de expansão florestal na Estação Ecológica de Aracuri, localizada no sul do Brasil, seus valores de importância (VI) e performances médias (área basal; dm2/m2) nos grupos (Gr.) formados na análise de agrupamentos (vide Fig. 2). As espécies estão categorizadas em zoocóricas (Z) e não-zoocóricas (NZ). Os valores em negrito destacam em qual grupo a espécie foi mais abundante.

Família Espécie Rótulo VI (%) Gr. 1 Gr. 2 Gr. 3
Indivíduo morto Inmo 14,71 1074,00 1949,10 624,91
Anacardiaceae Lithraea brasiliensis Marchand Libr Z 8,68 527,39 3784,50 3470,00
Schinus lentiscifolius Marchand Scle Z 4,57 276,64 1706,60 830,53
Schinus polygamus (Cav.) Cabrera Scpo Z 1,31 130,20 401,15
Schinus terebinthifolius Raddi Scte Z 0,26 0,001 21,22 86,68
Annonaceae Rollinia rugulosa Schltdl. Roru Z 0,18 0,013 14,06
Araucariaceae Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze Aran Z 10,22 559,82 1100,80 21120,00
Asteraceae Baccharis articulata (Lam.) Pers. Baar NZ 0,39 0,004 0,003 0,000
Baccharis dracunculifolia DC. Badr NZ 1,49 7,35 5,033 0,055
Baccharis helichrysoides DC. Bahe NZ 0,07 0,009
Baccharis microdonta DC. Bami NZ 1,65 24,86 0,021 0,074
Baccharis uncinella DC. Baun NZ 13,11 7856,50 969,31 112,60
Eupatorium inulifolium Kunth Euin NZ 0,33 0,0004 0,002 0,000
Eupatorium polystachyum DC. Eupo NZ 0,44 7,81 0,025 73,50
Eupatorium serratum Spreng. Euse NZ 7,67 152,73 75,18 20,47
Eupatorium cf. tremulum Hook. & Arn. Eutr NZ 0,13 0,016 0,000
Moquiniastrum polymorphum (Less.) G. Sancho. Gopo NZ 0,80 47,27 474,99 0,038
Trixis sp. Trsp NZ 0,49 0,005 0,001 0,003
Vernonanthuria montevidensisflorida Gardner Vemo NZ 0,05 10,91
Berberidaceae Berberis laurina Billb. Berberidaceae Bela Z 1,37 0,014 16,88 0,025
Canellaceae Cinnamodendron dinisii (Schwacke) Cadi Z 0,18 5,003 0,015
Celastraceae Monteverdia ilicifolia (Mart. Ex Reissek) Biral Mamu Z 0,17 42,14
Erythroxylaceae Erythroxylum deciduum A. St.-Hil. Erde Z 0,07 0,030
Escalloniaceae Escallonia bifida Link & Otto Esbi Z 2,79 109,51 1341,30 716,47
Escallonia petrophila Rambo & Sleumer Espe Z 0,28 95,98 17,31
Lauraceae Cinnamomum amoenum (Nees & Mart.) Kosterm. Ciam Z 0,77 10,77 431,62 0,036
Nectandra megapotamica (Spreng.) Mez Neme Z 0,43 370,53
Ocotea pulchella (Nees & Mart.) Mez Ocpu Z 0,24 34,24
Malvaceae Pavonia dusenii Krapov. Padu NZ 0,13 0,001 0,001
Primulaceae Myrsine coriacea (Sw.) R.Br. ex Roem & Schult. Myco Z 10,68 483,23 3034,30 1381,00
Myrtaceae Acca sellowiana (O. Berg) Burret Acse Z 0,70 8,79 98,86 0,008
Blepharocalyx salicifolius (Kunth) O. Berg Blsa Z 0,18 21,41
Calyptranthes concinna DC. Caco Z 0,10 6,05 36,65
Campomanesia aurea O. Berg Caau Z 0,07 0,004
Myrceugenia euosma (O. Berg) D. Legrand Myeu Z 0,37 34,73 0,001 105,39
Myrcia oblongata DC. Mybo Z 2,23 15,95 591,41 40,72
Myrcia hartwegiana (O. Berg) Kiaersk Myha Z 0,28 0,001 134,07
Myrcia palustris DC. Mypa Z 0,13 0,002 0,021
Myrciaria cuspidata O. Berg Mycu Z 0,05 5,61
Oleaceae Ligustrum sp. Lija Z 0,05 6,27
Pinaceae Pinus sp. Pisp NZ 0,05 13,27
Quillajaceae Quillaja brasiliensis (A. St.-Hil. & Tul.) Mart. Qubr NZ 0,57 96,47 241,02 14,06
Rhamnaceae Rhamnus sphaerosperma Sw. Rhsp Z 4,38 102,42 90,77 75,30
Scutia buxifolia Reissek Scbu Z 0,24 14,45 530,73
Rosaceae Prunus myrtifolia (L.) Urb. Prmy Z 0,19 4,96 22,60
Rutaceae Zanthoxylum fagara (L.) Sarg. Zafa Z 0,13 0,001 0,004
Zanthoxylum rhoifolium Lam. Zarh Z 0,32 0,038 0,010 36,91
Salicaceae Banara parviflora (A. Gray) Benth. Bapa Z 0,09 53,46
Sapindaceae Allophylus edulis (A. St.-Hil. et al.) Hieron. Ex Niederl. Aled Z 0,23 52,70 0,036
Cupania vernalis Cambess. Cuve Z 0,12 5,45
Matayba elaeagnoides Radlk. Mael Z 0,10 99,54
Solanaceae Solanum pabstii L.B. Sm. & Downs Sopa Z 0,72 170,76 109,44
Styracaceae Styrax leprosus Hook. & Arn. Stle Z 1,44 139,71 202,32 412,68
Symplocaceae Symplocos tetrandra Mart. Syte Z 0,21 7,46 0,008
Symplocos uniflora (Pohl) Benth. Syun Z 3,29 216,27 898,73 959,26
Thymelaeaceae Daphnopsis racemosa Griseb. Dara Z 0,13 0,008 0,021
TOTAIS 12.221 18.124 30.938

Padrões de expansão da vegetação lenhosa sobre o campo

A análise de agrupamentos revelou três grupos nítidos que refletem um gradiente entre áreas com predomínio de B. uncinella (Grupo 1), áreas com maior densidade de espécies florestais, principalmente próximas da antiga borda florestal e núcleos (Grupo 3), e áreas intermediárias mistas com arbustos e espécies florestais pioneiras (Grupo 2). No diagrama de ordenação (Figura 1) podemos observar esse gradiente de expansão de espécies florestais sobre a área de campo a partir da distância da borda florestal (classes de distância) até locais de adensamento de arbustos. A maioria das unidades relacionadas a B. uncinella corresponde àquelas mais distantes da borda (classes maiores). Para as outras unidades, identificamos dois padrões principais dentre as espécies que caracterizam a expansão florestal sobre o vassoural: um caracterizado pela alta cobertura de A. angustifolia, associado principalmente às unidades mais próximas da antiga borda florestal, e outro referente a locais tanto adjacentes à borda quanto em distâncias intermediárias, caracterizados principalmente por M. coriacea e L. brasiliensis. Esses dois padrões se diferenciam no diagrama ao longo do eixo 2 (Figura 1).

Figura 1. 

Diagrama de ordenação (Análise de Coordenadas Principais) da composição florística traduzida pela cobertura de área basal, utilizando distância de corda entre unidades amostrais como medida de semelhança. As unidades amostrais estão identificadas por classes de distância em relação à borda florestal, sendo: 0 = na borda; 1 = 1 a 50 m; 2 = 51 a 100 m; 3 = 101 a 150 m; 4 = 151 a 200 m; 5 = 201 a 300 m; 6 = 301 a 400 m; 7 = 401 a 500 m; 8 = 501 a 600 m; e 9 = >601 m. As espécies que apresentaram correlação, com pelo menos um dos eixos, superior a 0,3, estão indicadas no diagrama pelos seguintes códigos: Aran = Araucaria angustifolia; Baun = Baccharis uncinella; Mamu = Maytenus muelleri; Myrco = Myrsine coriacea ; Libr = Lithraea brasiliensis; Scle = Schinus lentiscifolius; Scpo = Schinus polygamus; Syun = Symplocos uniflora. A percentagem da variação explicada foi de 34,2% para o eixo 1 e 16,45% para o eixo 2. As elipses contornam as unidades amostrais correspondentes aos três grupos nítidos obtidos através da análise de agrupamento.

Esses mesmos grupos fisionômicos também apresentaram diferenças em relação às variáveis edáficas, conforme demonstrou a MANOVA (P < 0,05). O solo das unidades de vegetação arbórea mais desenvolvida (grupo 3) difere do vassoural (grupo 1) e do grupo intermediário (grupo 2), porém o vassoural e o intermediário não diferiram entre si. As médias das variáveis de solo para cada grupo estão apresentadas na Tabela 2. Há uma mudança nas concentrações de vários elementos em relação ao gradiente de expansão (grupo 1–3). As variáveis cujas concentrações diminuem em direção à fisionomia florestal são argila, K, Al, alumínio + hidrogênio, e porcentagem de saturação de Al na CTC (%SAT.CTC Al), enquanto as que aumentam são o pH, índice SMP, teor de matéria orgânica, Ca, Mg, capacidade de troca catiônica (CTC), saturação de bases, relações Ca/Mg, Ca/K e Mg/K. O fósforo (P) apresentou concentrações semelhantes entre o grupo florestal e o intermediário, porém no vassoural foi consideravelmente maior.

Tabela 2.

Valores médios das variáveis edáficas considerando os mesmos grupos de UAs identificados na Fig. 1 para a composição de espécies na Estação Experimental de Aracuri, localizada no sul do Brasil. Os grupos 1 e 2 diferem do grupo 3 (p <0,005), porém não diferem entre si, conforme análise de MANOVA para as variáveis de solo (vide item de resultados).

Variáveis de solo Vassoural (Grupo 1) Intermediário (Grupo 2) Florestal (Grupo 3)
Argila (%) 71,091 66,953 49,429
H2O (pH) 4,259 4,339 4,700
SMP 4,877 4,881 5,086
P (mg/dm3) 4,109 2,607 2,714
K (mg/dm3) 93,500 87,047 81,857
M.O. (%) 5,273 5,567 7,1857
Al (cmolc/dm3) 3,391 2,728 1,471
Ca (cmolc/dm3) 2,541 3,284 6,829
Mg (cmolc/dm3) 1,486 1,760 3,100
Al+H (cmolc/dm3) 17,368 16,979 14,629
CTC (cmolc/dm3) 21,577 22,193 24,714
%SAT.CTC (Bases) 21,727 24,907 40,714
%SAT.CTC (Al) 45,745 36,863 17,786
Relação Ca/Mg 1,650 1,788 1,928
Relação Ca/K 12,091 17,279 31,714
Relação Mg/K 7,032 9,009 14,571

A distância da antiga borda florestal foi um bom preditor do número de espécies lenhosas (R2ajustado: 0,229; F= 34,38; GL= 108; P < 0,05) e a densidade de espécies zoocóricas (R2ajustado: 0,236; F= 33,39; GL= 108; P < 0,05) (Figura 2). Unidades mais próximas à antiga borda florestal apresentam maior riqueza de espécies e maior densidade daquelas com síndrome de dispersão zoocórica, diminuindo linearmente a medida que nos afastamos da borda.

Figura 2. 

Relações lineares entre distância mínima das unidades amostrais (m) em relação à uma área-fonte florestal e o número de espécies lenhosas (direita, R2ajustado: 0,229) e a densidade de espécies zoocóricas (esquerda, R2ajustado: 0,236). Ambos os modelos foram significativos (P < 0,05).

Solo e espaço explicam os padrões da vegetação

A análise de RDA parcial revelou que solo e espaço juntos explicam 26% (i.e. R2ajustado; R2= 38%) da variação observada na vegetação lenhosa que avança sobre o campo, sendo altamente significativa (P < 0,001). O subconjunto ótimo de variáveis de solo utilizado na RDAp foi composto por pH, MO, Al, Ca.K-1, e Al + H. O subconjunto ótimo de variáveis do espaço foi composto pelos PCNMs 1, 2, 4, 6 e 32 (Supl. material 2: Figura S2), os quais demonstram a importância da variação espacial nas maiores escalas (PCNM 1 e 2), bem como nas menores (PCNM 32) e intermediárias (PCNM 4 e 6). O componente puro espacial (espaço | solo) teve a maior explicação (12,45%), seguido pelo componente ambiental estruturado no espaço (8,45%) e o componente puro ambiental (solo | espaço = 5,44%). Tanto espaço quanto ambiente foram significativos (P < 0,05). A Figura 3 representa a explicação de cada componente para a variação total observada na vegetação lenhosa em expansão sobre o campo, sendo que 73,64% não puderam ser determinados pelo conjunto de variáveis consideradas neste estudo.

Figura 3. 

Proporção de explicação da variação da matriz de comunidades descrita pelas espécies explicada pelas variáveis de solo e de espaço (PCNMs), de acordo com a análise de RDA parcial. O componente (b) compreende a variação atribuída ao ambiente estruturado no espaço. 73% da variação permaneceu não-determinada. Tanto ambiente puro (solo | espaço) quanto espaço puro (espaço | solo) foram significativos (P < 0,05).

Discussão

Este trabalho avaliou os padrões de expansão florestal em uma área originalmente campestre, excluída de distúrbios de pastejo e fogo por 34 anos, na região de mosaicos campo-floresta do Planalto Meridional Brasileiro. Os resultados demonstraram um claro padrão de expansão predominantemente a partir da borda florestal, uma vez que várias espécies arbóreas florestais tiveram maior abundância junto à borda. As comunidades mais distantes da borda apresentaram predomínio de arbustos, principalmente B. uncinella, e poucos indivíduos de espécies arbóreas. A distância da borda está associada à maior explicação dos padrões da vegetação pelo componente espacial (12%), especialmente considerando os PCNMs 1 e 2 (Supl. material 2: Figura S2). O componente puramente ambiental (solo) contribuiu com apenas 5%, enquanto o componente ‘b’, que integra a variação do solo no espaço, explicou 8% da variação. Essa associação, entretanto, pode expressar mudanças decorrentes da própria expansão e não uma condição para o estabelecimento e avanço de lenhosas sobre o campo, já que a cobertura vegetal também altera as características de solo (Dümig et al. 2008).

As famílias que mais contribuíram em termos de riqueza e abundância indicam a ocorrência de comunidades em estágio inicial de desenvolvimento florestal, ou seja, em franco processo de expansão da floresta sobre áreas originalmente campestres. As espécies de Asteraceae predominantes são pioneiras anemocóricas, como por exemplo B. uncinella e E. serratum. Em campos sob manejo, elas apresentam baixas densidades (Boldrini et al. 2009), porém tendem a se expandir rapidamente na ausência de fogo e/ou pastejo, transformando a fisionomia campestre (Oliveira e Pillar 2004; Fidelis et al. 2007; Müller et al. 2007; Santos et al. 2011; Guido et al. 2017). Destacamos a grande abundância de B. uncinella em toda a área de estudo, com grande quantidade de indivíduos mortos em pé, indicando que fisionomias campestres excluídas de manejo por 30 anos tornam-se vassourais densos. Além disso, esses vassourais apresentam maior riqueza e abundância de espécies florestais quanto maior for a proximidade de bordas florestais.

Os locais com vegetação arbórea mais desenvolvida se caracterizam especialmente pelas espécies pioneiras florestais L. brasiliensis, M. coriacea e S. lentiscifolius e pela própria A. angustifolia. Estas espécies têm sido consideradas nucleadoras por seu papel facilitador na expansão florestal sobre campos, tanto por atraírem dispersores, quanto por promoverem alterações nas condições ambientais sob suas copas (Duarte et al. 2006; Overbeck et al. 2007; Santos et al. 2011). A nucleação e o adensamento de lenhosas em áreas de formações campestres, têm sido descritos para outras regiões do mundo (e.g. Archer et al. 1988; Cabral et al. 2003; Puyravaud et al. 2003). A alta representatividade de espécies pioneiras florestais e a quantidade de indivíduos vivos e mortos de arbustos campestres na área estudada caracterizam bem o processo sucessional de espécies lenhosas sobre o campo no contexto da expansão florestal. Grande parte dos indivíduos mortos era de B. uncinella, indicando uma potencial mudança da fase sucessional inicial de predomínio de arbustos que perdurou por cerca de cerca de 30 anos. Sob a copa desses arbustos, o estrato de gramíneas mostrava-se em franca senescência, evidenciando a exclusão local de espécies tipicamente campestres.

Os três grupos nítidos das comunidades avaliadas revelaram um padrão espacial associado a um processo temporal, onde a expansão florestal encontra-se mais avançada quanto mais próxima da borda. Nas comunidades próximas da borda a cobertura relativa de A. angustifolia foi bem maior que sua densidade relativa, pois os indivíduos são de grande porte. Estes indivíduos estão há mais tempo estabelecidos (Müller et al. 2012) e vêm permitindo que outras espécies florestais tenham sucesso na colonização sob suas copas. A colonização de arbóreas sob a área de copa de indivíduos maiores também é observada em locais mais distantes da borda florestal. Isso caracteriza o processo de nucleação, iniciado por espécies pioneiras estabelecidas na matriz campestre, que resulta em manchas com predomínio de indivíduos de espécies florestais em locais distantes da borda (Duarte et al. 2006; Schüler-da-Silva 2009). Neste estudo, a influência do espaço revelada pela seleção dos PCNMs de escala intermediária (PCNM 4 e 6) e pequena (PCNM 32) indica pontos de nucleação com vegetação mais desenvolvida. Nas comunidades nucleadoras e/ou de borda com vegetação florestal mais desenvolvida também destacaram-se as espécies Myrceugenia euosma, Myrcia hartwegiana e Calyptranthes concinna. Espécies de Lauraceae (e.g. Cinnamomum amoenum e Nectandra megapotamica) tiveram elevada cobertura basal em estágios intermediários, juntamente com a Myrtaceae Myrcia oblongata.

A proximidade da área fonte teve um claro efeito sobre a riqueza e densidade de espécies zoocóricas, evidenciando o papel da fauna na expansão da floresta sobre o campo (Duarte et al. 2007; Santos et al. 2011). Os arbustos campestres (anemocóricos) podem ter um papel facilitador na sucessão ao suprimir as gramíneas campestres pelo sombreamento, porém sua importância como poleiros e nucleação é menor do que indivíduos florestais estabelecidos no campo (Duarte et al. 2007; Santos et al. 2011). Nas comunidades mais distantes da borda florestal, onde o vassoural é denso, homogêneo e com um dossel de 4 m de altura, havia poucos indivíduos florestais. A combinação entre distância da fonte de propágulos e baixa luminosidade sob o dossel dos arbustos parece limitar até mesmo o estabelecimento de pioneiras florestais (e.g. M. coriacea). Em distâncias menores da borda, a quantidade de arbustos é menor e a pressão de propágulos certamente é maior, efetivando assim o estabelecimento das espécies florestais. Na situação de menor densidade de arbustos, observamos a formação de uma fisionomia mista (grupo intermediário; Figura 2), onde os arbustos morrem e cedem lugar a indivíduos florestais. Além disso, há pequenas manchas de vegetação florestal mais avançada que seu entorno, oriundos de processos de nucleação mais antigos, misturadas na matriz arbustiva. Assim, a conFiguração da cobertura vegetal na área antes coberta por campos é resultado de uma sobreposição de processos que ocorreram em diferentes momentos, porém a distância da área fonte mostra-se como um fator preponderante dos padrões encontrados na vegetação estabelecida.

A características do solo também evidenciaram uma variação associada ao gradiente sucessional. O pH, os teores de Ca e Mg trocáveis, a matéria orgânica e a saturação de bases foram mais altos nas unidades com vegetação florestal mais desenvolvida, enquanto o teor de Al foi mais alto no vassoural. Altos teores de Al trocável em solos ácidos, como nos solos desta região, podem limitar o crescimento de plantas por bloquear a disponibilidade dos outros nutrientes (Dümig et al. 2008). As análises relacionadas ao solo, no entanto, não indicam diferenças intrínsecas no solo que limitariam a expansão da floresta. Acreditamos que os padrões observados indicam que a variação nas condições do solo é resultado do próprio desenvolvimento da floresta e não sua causa primeira. O desenvolvimento da vegetação florestal acarreta um maior acúmulo da matéria orgânica no solo e mudanças na atividade biológica. Ácidos orgânicos decorrentes da decomposição, em conjunto com compostos produzidos diretamente pelas plantas, complexam o alumínio, diminuindo sua toxidade, e aumentam a disponibilidade de nutrientes no solo (e.g. Ca e Mg) (Marschner, 1995; Tomé 1996).

Conclusão

Neste estudo observamos uma clara expansão florestal sobre áreas campestres excluídas de fogo e pastejo. Os padrões avaliados evidenciam processos de colonização de arbóreas tanto a partir da borda, quanto em núcleos espacialmente mais distantes da área fonte que acabam coalescendo com a matriz arbustiva. Quanto mais próximo da borda original da floresta, mais antigas são as comunidades, caracterizando-se por espécies mais tipicamente florestais. Nas áreas mais distantes da borda predominam arbustos campestres e, sob suas copas, o estabelecimento das espécies florestais parece ser limitado, seja por uma baixa pressão de propágulos ou por limitação de recursos. As características do solo têm papel secundário na expansão florestal e a associação observada entre solo e vegetação indica uma modificação nas características do solo à medida que o desenvolvimento florestal progride. Assim, áreas originalmente campestres em unidades de conservação em regiões de mosaicos campo-floresta do Sul do Brasil, sob exclusão total de distúrbios de fogo e/ou pastejo, tendem à mudança fisionômica para um estado florestal, alterando a biota local antes associada a áreas abertas.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), pela bolsa de mestrado concedida à primeira autora e pelo apoio ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia da UFRGS via Programa de Excelência Acadêmica (PROEX) e Portal de Periódicos. A todos que auxiliaram na coleta de dados e identificação botânica das espécies e aos revisores anônimos que contribuíram com sugestões e comentários na primeira versão do manuscrito.

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Supplementary materials

Supplementary material 1 

Figura S1

Camila Fonseca Schinestsck, Sandra Cristina Müller, Valério D. Pillar

Data type: multimedia

Explanation note: Imagens de fotografia aérea do ano de 1965 na região de abrangência da Estação Experimental de Aracuri, localizada no sul do Brasil, indicando o padrão de mosaico floresta-campo (a) com detalhe em escala de 1:60000 (b). As imagens estão direcionadas para o norte. A imagem (c) corresponde ao mapeamento realizado em 1984 (Cestaro 1985), indicando a área onde foram estabelecidas as unidades amostrais sobre o vassoural.

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Supplementary material 2 

Figura S2

Camila Fonseca Schinestsck, Sandra Cristina Müller, Valério D. Pillar

Data type: multimedia

Explanation note: Distribuição espacializada dos PCNMs selecionados e utilizados na análise de RDAp (vide texto para detalhes), considerando o espaço da área de estudo na Estação Experimental de Aracuri, localizada no sul do Brasil (compare a estrutura espacial com a área de campo amostrada, esquematizada abaixo).

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